Andrew Dominik fala sobre a decadência do crime, ausência de valores na política e crise capitalista no violento e cru O Homem da Máfia
A máfia que a gente conhece em O Homem da Máfia, filme do neozeolandês Andrew Dominik, não é a mesma que se alastrou pelos EUA na década de 1930. Claro que o desgaste do capitalismo também é seu principal formador, mas a vaidade e ostentação de Al Capone e Frank Costello dão lugar a homens silenciosos e seus encontros na surdina em subúrbios norte-americanos na calada da noite. O serviço sujo fica por conta de sujeitos como Jackie Cougan (Brad Pitt), matador de sangue frio que trata seu ofício sem julgamento moral. Puro negócio. Mostrando esse universo paralelo e decadente da maneira mais crua possível, Dominik obtém êxito mais uma vez no cinema (seu projeto anterior foi o interessante, mas também difícil, O Assassinato de Jesse James).
É inegável que o diretor é uma espécie em extinção em Hollywood, distanciando-se de padrões narrativos e das exigências dos estúdios. Claro que ter Brad Pitt a frente de seu elenco e na produção do longa facilita e muito as coisas, mas Dominik poderia se contentar com a cartilha, em vez disso prefere adaptar seu trabalho aos seus personagens e às situações vividas por eles. Assim, O Homem da Máfia é um filme tão cru e árido quanto o universo em que o seu protagonista está inserido.
O longa acompanha o assassino profissional Jackie Cougan na caçada por dois ladrões, que a mando de um homem fazem a limpa nos cofres de uma mesa de pôquer clandestina. Cougan é contratado para matar os dois em plena eleição presidencial dos EUA de 2008 e o colapso na economia do país naquele mesmo ano. O clima de esperança e renovação que o candidato democrata Barack Obama trazia para a nação contrasta com o tom comedido daqueles homens, as locações sujas, as conversas silenciosas e a violência do universo de O Homem da Máfia. E nesse ponto, magistralmente, Andrew Dominik mostra toda sua pertinente ironia.
Dominik vem com a mesma intenção de Tudo pelo Poder, longa que George Clooney levou para as telonas no ano passado. Na verdade, trata-se de uma tendência que acredito ser muito interessante nesta possível nova faceta do cinema político norte-americano: não há mais distinção entre vilões e mocinhos na disputa entre democratas e republicanos e os EUA não são terras de oportunidades para todos. Na visão de Dominik, e Clooney em Tudo pelo Poder, a democracia, da forma como está posta, é nada menos que um balcão de negócios, uma disputa de poderes. Cougan, personagem de Pitt, parece ter assimilado este conceito organicamente. No meio em que atua não há brechas para manifestações de afeto, piedade, tampouco tapinhas nas costas. Sua turma não é aquela do "deixa disso". Nada passa impunemente e a logística é muito simples: "você me paga e eu faço o serviço". Nada de honra, apenas dinheiro.
Nessa atmosfera, mais uma vez, Brad Pitt entrega uma das performances mais comprometidas da sua carreira. Trata-se de uma composição que exigiu o esforço do ator nos detalhes mais sutis, um deleite. Jackie Cougan é um homem que revela sua personalidade nas sutilezas, há pouquíssimos rompantes emocionais protagonizados por ele durante todo o filme (diferente dos demais que fazem questão de esgotar toda a adrenalina em suas ações criminosas). James Gandolfini está bem interessante como um melancólico matador em crise amorosa e Richard Jenkins divide com Pitt os melhores momentos do filme, ele interpreta o advogado que negocia com o protagonista o assassinato das duas "vítimas". Vale a menção a Ben Mendelsohn (que esteve brilhante em Reino Animal e depois disso apareceu discretamente em meia dúzia de produções norte-americanas) interpretando um dos dois bandidos que assaltam a mesa de pôquer no início do longa. Incrível como independente do tamanho da sua participação em um longa, o ator é sempre muito eficiente.
Ainda que aqui e ali O Homem da Máfia soe repetitivo, revisitando personagens e situações, o filme ganha relevância por sua pertinente contextualização. Andrew Dominik demonstra utilizar todos os elementos que estão à sua disposição e os recursos da linguagem cinematográfica na composição de uma história. O Homem da Máfia é um filme soturno, silencioso e que se impõe em sua argumentação. Infelizmente esta faceta ianque o público brasileiro pouco conhece ou sequer se predispõem conhecer, preferindo ficar no senso comum de que somente os europeus e os documentaristas conseguem fazer algo do tipo no cinema.
Killing them Softly, 2012. Dir.: Andrew Dominik. Roteiro: Andrew Dominik. Elenco: Brad Pitt, Richard Jenkins, James Gandolfini, Ray Liotta, Scott McNairy, Ben Mendelsohn, Vincent Curatola, Trevor Long, Max Casella, Trevor Long, Slaine, Linara Washington. 97 min. Imagem Filmes.
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