O ousado Holy Motors, de Leos Carax, discute o lugar do artista na descartável sociedade contemporânea
Um ator percorre toda Paris em sua limousine, um camarim improvisado, assumindo vários personagens. De velha pedinte a banqueiro e representante repugnante e subversivo da arte, Monsieur Oscar é o típico artista contemporâneo entregue naturalmente ao mecânico processo assumido pela produção artística nos nossos tempos em Holy Motors. Entregue ao "sistema", mas sem perder o teor artístico de seu ofício, ainda que aqui e ali questione sua função e existência em um mundo que cada vez mais banaliza a arte, especificamente o cinema. Todos esses questionamentos são incutidos na cabeça do espectador nesse subversivo e desafiador trabalho, digamos, semiótico do francês Leos Carax, que prefere o subtexto ao didatismo visual de alguns de seus colegas.
Por mais que possa relacionar seu trabalho com a fruição de outros tipos de manifestações, fica óbvio que os paralelos estabelecidos por Carax estão relacionados com seu próprio ofício, o cinema. Na contemporaneidade, poucas manifestações ficaram tão sujeitas à banalidade quanto a sétima arte. Em tempos de inúmeros recursos tecnológicos, facilidades de acesso a conteúdos, antes oferecidos apenas pelas salas de cinema, as histórias e seus meandros humanos acabaram tornando-se descartáveis a tal ponto que não paramos para pensar ou para assimilar qualquer obra audiovisual. Assistimos de qualquer jeito, em qualquer formato, em qualquer lugar.
O delírio de Leos Carax toca fundo qualquer admirador do cinema e que ainda compreende a singularidade dele como arte. Através do trajeto e das ações do personagem de Denis Lavant, que acaba assumindo várias peles ao longo do projeto (um trabalho esquizofrênico), o espectador começa a cair em si e a questionar a forma com que vem conduzindo sua própria relação com o cinema, na qual o tempo de fruição é cada vez menor e a oferta é cada vez maior, ainda que os trabalhos que valem nosso tempo sejam poucos
Holy Motors é um desses exemplares que não fazem questão de seguir cartilhas, um desses filmes que desafiam o espectador a sair da zona de conforto e decifrar metáforas visuais, já que Carax explora ao máximo a potencialidade da linguagem cinematográfica.
Gostando ou não gostando (nesse caso, diria que é mais um estranhamento) não há como deixar de inquietar-se pela ousadia de Holy Motors, um filme que não poupa críticas à indústria, artistas, críticos e público. O longa faz repensar o lugar da arte em nossas vidas, ou mesmo pensar se ainda existe lugar para ela em meio ao orgânico processo de contemplação a que acabamos nos acostumando a submetê-la.
Holy Motors, 2012. Dir.: Leos Carax. Roteiro: Leos Carax. Elenco: Denis Lavant, Edith Scob, Kylie Minogue, Eva Mendes, Elise Lhomeau, Jeanne Disson, Michel Piccoli, Leos Carax, Elise Caron, Corinne Yam. 115 min. Imovision.
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