(Crítica) 'O Legado Bourne' é um 'Bourne' supérfluo

Conexões tolas com os filmes anteriores tornam O Legado Bourne um capítulo desnecessário


 Raríssimas exceções, a sustentação do cinema hollywoodiano na nova década parece vir das continuações - afinal, sabemos quão grande é a desconfiança das plateias com tramas originais e o interesse dos estúdios em arrecadar tufos de dinheiro com a zona de conforto e segurança do espectador. O que mais se produz são reboots e continuações de trilogias "extintas". A indústria confere ao cinema um caráter descartável, fazendo com que determinados ícones ressuscitem com exemplares desnecessários. Foi o caso de Piratas do Caribe - Navegando em Águas Misteriosas, O Espetacular Homem-Aranha  e agora O Legado Bourne.

Quando a trilogia Bourne foi encerrada em 2007 com O Ultimato Bourne parecia uma decisão acertada e coerente dos seus envolvidos. Três filmes eram mais que suficientes e a trama de fato nunca pareceu ter fôlego para uma expansão daquele universo. Fomos enganados. O Legado Bourne é ambientado entre os eventos de O Ultimato Bourne e mostra outros tentáculos da CIA. Um deles, o Outcome, tem como um dos agentes o ex-militar Aaron Cross (Jeremy Renner). Quando todos os segredos do programa vêm à tona durante a perseguição a Jason Bourne, os agentes do Outcome passam a ser perseguidos pelo coronel Eric Bayer (Edward Norton). Determinado a realizar uma grande queima de arquivo, Bayer chega a Cross, que consegue escapar. Disposto a sobreviver, Aaron Cross vai ao encontro da médica Martha Shearing (Rachel Weisz). Ela tem acesso ao laboratório farmacêutico fornecedor do coquetel dos agentes da Outcome, um experimento semelhante ao que foi feito com Bourne.

Tony Gilroy, roteirista de toda a trilogia e diretor de Conduta de Risco e Duplicidade, parecia ter uma carta escondida na manga a respeito da franquia Bourne. No entanto, teria que dar continuidade ao projeto sozinho já que nem Paul Greengrass, diretor dos dois últimos filmes ou Matt Damon compraram a ideia. Não que um ou outro fossem fundamentais para a franquia a partir desse capítulo, claro que a história poderia prosseguir sem eles. Acontece que o que é mostrado aqui é bem decepcionante. 

 Entre esta nova perspectiva sobre os eventos e a anterior, as ideias no entorno do personagem Jason Bourne parecem mais interessantes, inclusive suas próprias características como protagonista, um agente em crise de consciência disposto a encontrar a redenção e esquecer seu passado. Sobre a troca de diretores, também não existiria grandes problemas. Não acredito que a presença de Paul Greengrass seja vital para os filmes. É inegável que o diretor conferiu uma agilidade absurda a seus trabalhos na série, tornando seus capítulos fluidos e interessantes em seus cortes, mas a franquia sobreviveria tranquilamente sem ele pois uma das mentes por trás de Bourne continuaria (Tony Gilroy). Assim, sob esse ponto de vista, O Legado Bourne, quarto filme da franquia, sobreviveria tranquilamente com Tony Gilroy sozinho, abandonado por seus colaboradores de outrora.

Acontece que um dos pontos vitais dos anteriores é o ponto fraco desse Bourne aqui. O que incomoda em O Legado Bourne é o roteiro do próprio Gilroy, que insistiu em levar a história adiante mesmo sem o intérprete de Jason Bourne à frente do seu elenco. No lugar de Bourne, somos apresentados a Aaron Cross, personagem de Jeremy Renner, também um agente utilizado para fins escusos por um programa secreto de segurança. O problema é que, diferente do agente de Matt Damon, que tinha motivações concretas para agir nos três filmes anteriores (buscar seu passado e uma nova vida), as motivações de Cross são nebulosas e não se trata de um mistério proposital do roteiro, mas de um tropeço do próprio Gilroy que não construiu bem o novo protagonista. Aaron Cross é o grande "calcanhar de Aquiles" de O Legado Bourne, cujo nome evidencia o fantasma de um passado ainda muito forte e do qual o longa parece não querer se desvencilhar.

É preciso reconhecer todavia que Jeremy Renner se esforça e segura bem as principais cenas de ação do filme, funcionando mais do que em Missão Impossível: Protocolo Fantasma ou Os Vingadores. Contudo, é Rachel Weisz quem impressiona mais o público como a "mocinha", uma das mais interessantes de toda a franquia, diga-se de passagem, deixando Franka Potente e Julia Stiles a léguas de distância. Edward Norton na pele de um personagem com resquícios da inesquecível Pamela Landy de Joan Allen é um completo desperdício, por sua vez. Outros atores dos três anteriores dão o ar da graça, como a própria Joan Allen, David Strathairn e Scott Glenn.

As ligações com a trilogia anterior presentes nesse longa são descartáveis, sendo incompreensíveis os motivos que levaram Gilroy a ir adiante com O Legado Bourne. Determinadas características da franquia foram mantidas e o filme não deixa de ser encarável como um entretenimento despretensioso. Ainda assim, o longa soa como um golpe de misericórdia de um roteirista promissor em crise com a inesperada ausência do protagonista de seu filme. Na falta de Matt Damon e de Jason Bourne, Tony Gilroy teve que improvisar e, diante dessa situação extrema, as coisas parecem não funcionar ou operam por uma lógica artificial, estranha. Há a promessa de que Tony Gilroy e Matt Damon façam as pazes pelos próximos anos e Bourne surja em parceria com Aaron (who) Cross em um quinto Bourne. Quem sabe assim a franquia tenha um capítulo que justifique uma continuidade ao que foi feito na trilogia original?



The Bourne Legacy, 2012. Dir.: Tony Gilroy. Roteiro: Tony Gilroy e Dan Gilroy. Elenco: Jeremy Renner, Rachel Weisz, Edward Norton, Donna Murphy, Stacy Keatch, Michael Chernus, Corey Stoll, Oscar Isaac, Joan Allen, Scott Glenn, David Strathairn. 135 min. Universal.

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Chovendo Sapos: (Crítica) 'O Legado Bourne' é um 'Bourne' supérfluo
(Crítica) 'O Legado Bourne' é um 'Bourne' supérfluo
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