Novo filme do personagem da Marvel é um reboot marcado por decisões equivocadas e fica à sombra do longa de 2002.
O Espetacular Homem-Aranha
Reboots são releituras de obras ou universos já visitados. Normalmente, a necessidade de fazê-los surge em virtude da insatisfação do público e da crítica com seus antecessores. Não foi o caso de O Espetacular Homem-Aranha, de Marc Webb. Antes dele, Sam Raimi iniciou a trajetória de Peter Parker, alter ego do herói, em 2002, com um filme muito satisfatório, que culminou com o melhor longa da série, Homem-Aranha 2, em 2004. Ou seja, fora o grande erro da franquia chamado Homem-Aranha 3, que teve direito ao pior vilão das HQs - Venom - e a versão emo de Peter Parker, os filmes de Sam Raimi são muito bem resolvidos e marcaram de forma determinante a história do cinema, sendo os precursores dessa febre de adaptações de quadrinhos para o cinema que se vê hoje (mais até que X-Men, de 2000). Assim, para que voltar do ponto inicial se ele já foi tão bem contado há dez anos atrás (vejam bem, estou falando de dez anos!)?
Que Batman e 007 tenham ganhado reboots, com Batman Begins e Cassino Royale, tratam-se de decisões perfeitamente compreensíveis, afinal os anos de Pierce Brosnan na pele de James Bond arruinaram a reputação do personagem e o Homem-Morcego nunca teve sua origem contada com seriedade nas telonas por Tim Burton e muito menos por Joel Schumacher. Mas Homem-Aranha era uma franquia que já tinha recebido um tratamento digno de sua fama. Claro que o personagem poderia retornar aos cinemas depois do fiasco de Homem-Aranha 3. Ninguém condenaria seus produtores por isso, trata-se de um movimento perfeitamente compreensível na indústria cinematográfica: franquias como esta rendem fortunas e merecem ser continuadas ainda que com a mudança de sua equipe principal. No entanto, o que é incompreensível aqui é que O Espetacular Homem-Aranha surja sobre o invólucro de um reboot que ocasionalmente se apresenta como um remake. Hum... Confuso demais...
Se seguisse o exemplo de outro personagem da Marvel, o Hulk, talvez o filme de Marc Webb tivesse um resultado melhor. Após a recepção negativa da crítica e dos espectadores a Hulk, em 2003, a Marvel encomendou outro filme com o personagem, mas não necessariamente recontou suas origens. Surge, então, O Incrível Hulk, de Louis Leterrier. Deixando bem claro que, nesse caso, ambas produções tem mais pontos positivos que negativos.
Feita essa enorme ressalva sobre O Espetacular Homem-Aranha, vamos ao filme. Na história de Marc Webb, Peter Parker é deixado por seus pais ainda criança na casa de seus tios, Ben e May. Quando cresce vira um adolescente desajustado (aqui, mais ou menos) e apaixonado por sua colega de colégio, Gwen Stacy. Mas Parker passa a ser dominado pela vontade de saber os motivos que levaram seu pai e sua mãe a distanciarem-se dele. O adolescente acaba conhecendo Dr. Curt Connors, melhor amigo de seu pai, que parece conhecer a fundo as motivações do abandono sofrido por Peter. Durante uma visita ao laboratório do Dr. Connors, Peter é picado por uma aranha geneticamente modificada e passa a adquirir super-poderes. Quando um evento trágico acontece com sua família, Peter começa a caçar criminosos por Nova York e tem a ideia de assumir uma nova identidade, o Homem-Aranha.
Uma das óbvias características do Homem-Aranha, o que inclusive o diferencia dos demais super-heróis e consegue criar uma empatia imediata com o público, é o fato de Peter Parker ser um adolescente e, como tal, sentir-se constantemente inadequado em sua própria "pele", ainda mais por ser um garoto dedicado aos estudos e muito tímido. Infelizmente, Andrew Garfield, que já contornou sua péssima "estreia" em Leões e Cordeiros com atuações interessantes em A Rede Social e Não me Abandone Jamais, não consegue retratá-lo desse modo. O único sinal perceptível da insegurança de Parker é fornecido em uma cena do longa na qual ele evidencia preferir usar lentes no colégio ao invés dos óculos. Outro fator que contribui para atenuar essa característica que seria vital em Peter Parker vem da decisão de trazer Gwen Stacy como interesse amoroso do protagonista. Stacy é uma mocinha que não oferece um décimo do que Mary Jane oferecia para a trilogia de Sam Raimi. Mary Jane era praticamente inalcançável e ampliava a noção de que Peter Parker era uma excluído, criando um mote interessante para uma trama amorosa no filme. Gwen é uma personagem apática, por mais que a talentosa Emma Stone, tente torná-la (e ela tenta) interessante.
Infelizmente, esse tipo de comparação merece ser estabelecida por motivos óbvios e que a própria obra não teve receio de enfrentar: o pouco espaço de tempo entre esta produção e os filmes de Sam Raimi. E não interessa se a teia do Aranha lá era orgânica e se o cineasta teria alterado a cronologia original ao apresentar Mary Jane como a primeira namorada de Peter Parker, todas eram decisões coerentes com universo criado por Raimi. Adaptações não precisam seguir à risca suas obras inspiradoras para serem bem-sucedidas, para isso, basta que a atmosfera e a essência do material original sejam preservados. Isso é tão válido que em O Espetacular Homem-Aranha a teia mecânica criada pelo próprio Parker e a inserção de Gwen Stacy, preservando a cronologia dos quadrinhos, em nada servem à história. Ficam à deriva junto com meia dúzia de decisões equivocadas de seu diretor, que ainda tenta trazer uma trilha sonora incidental mais pop, com artistas conhecidos como Coldplay, para evidenciar o universo cheio de dúvidas e alegrias da adolescência. Na verdade, uma grande muleta de Webb, que em momento algum consegue passar essa sensação no filme com os outros elementos que ele tem à disposição.
Como vilão, O Espetacular Homem-Aranha conta com o Lagarto, resultado de um experimento vivido pelo Dr. Connors. Inicialmente, o vilão apresenta motivações interessantes, desenvolvendo uma espécie de soro que o ajudaria a regenerar seu braço amputado. No entanto, quando se transforma na criatura, Connors passa a ouvir vozes e apresenta como motivação para a violência de seus atos o ódio pela raça humana e a necessidade de sua aniquilação, reduzindo drasticamente o brilho que ainda restava no personagem. O vilão é interpretado pelo inglês Rhys Ifans, que acrescenta muito pouco a ele. As grandes presenças do elenco do filme, contudo, são de Martin Sheen e Sally Field, os tios de Parker, ainda que eles não consigam representar nem a metade do que Cliff Robertson e Rosemarie Harris representaram para a geração que assistiu os filmes de Sam Raimi, Nesse filme, por exemplo, a morte de Tio Ben não consegue ser tão eficiente dramaticamente quanto a do filme de 2002.
A utilização do 3D na produção é pífia. As primeiras cenas dos voos do Aranha, trazendo a perspectiva do personagem, são inseridas aleatoriamente e não causam vertigem ou a emoção que os voos dos filmes do Sam Raimi traziam - e olhem que a primeira trilogia foi exibida e filmada em 2D. Marc Webb não pensa em quem não vê o filme em 3D nos cinemas ou na sobrevida do longa no formato Home Vídeo, o que, por si só, demonstra a falta de preocupação dos envolvidos em trazer uma narrativa do Homem-Aranha que realmente valha a pena e não apenas um motivo para inserir o personagem na "febre" dos filmes em 3D. O longa também apresenta uma fotografia escura que, por mais que Peter Parker viva situações dramáticas e limítrofes - ou, pelo menos, deveria vivenciar -, não condizem com o universo adolescente do Aranha. Ou seja, o filme é marcado pela desarmonia.
Assim, O Espetacular Homem-Aranha é uma obra marcada por equívocos e que diz ser o que não é. Pretende ser sombrio e evocar os conflitos da aolescência com elementos como trilha e fotografia, esquecendo-se de transferir uma porcentagem dessas funções para o roteiro e para a interpretação de seus atores. O resultado é um filme que não encontra razões criativas para ter sido feito, pois não acrescenta ou enriquece em nada o universo do Homem-Aranha. O único aprimoramento aparente é o uniforme do super-herói (só para se ter uma ideia da futilidade do projeto). No resto, o filme de 2002 continua imbatível e certamente é a imagem do herói que permanecerá como ícone para toda uma geração de cinéfilos. Não há nada pior para um filme do que a sensação de que ele vive à sombra de um outro.
The Amazing Spider-Man, 2012. Dir.: Marc Webb. Roteiro: James Vanderbilt, Steve Kloves e Alvin Sargent. Elenco: Andrew Garfield, Emma Stone, Martin Sheen, Sally Field, Rhys Ifans, Denis Leary, Irrfan Khan, Campbell Scott, Embeth Davidtz, Chris Zylka, Max Charles. 136 min. Sony.
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