João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat são os irmãos Villas Bôas em Xingu: a formação do Parque Nacional do Xingu. |
A formação do Parque Nacional do Xingu, área verde e isolada para preservação dos povos e da cultura indígena no Brasil, em 1961, foi fruto do trabalho de três irmãos: Cláudio, Osvaldo e Leonardo Villas Bôas. Três aventureiros que largaram suas vidas em São Paulo e partiram para o norte do país em busca de algo que nem eles mesmos faziam ideia. Encontraram povos indígenas em perfeita harmonia com a natureza, mas massacrados pelo contato com os brancos que lhes passavam uma série de enfermidades das quais nunca tiveram acesso e pela ambição dos mesmos por novos pedaços de terra. Os Villas Bôas, já integrados à cultura dos povos, decidiram se empenhar na criação de uma reserva que pudesse abrigar as diferentes tribos indígenas do local, preservando esses povos e tentando tornar o contato deles com os brancos mais harmônico e pacífico possível. O resultado não foi o esperado, afinal eles passaram por uma série de percalços e frustrações ao longo do caminho, mas o legado e as intenções podem ser consideradas como mais positivas que negativas. Muita coisa inevitavelmente não puderam transformar ou evitar, afinal, como o próprio Cláudio Villas Bôas, interpretado por João Miguel em Xingu, constata, qualquer tipo de contato do branco com o índio, por mais bem intencionado que seja, acaba contribuindo para destruí-la aos poucos.
O mais interessante em Xingu é acompanhar esta conclusão pela perspectiva do próprio Cláudio Villas Bôas, dos irmãos o que mais teve contato com os índios e, consequentemente, o que mais percebeu os reflexos do contato dos povos brancos com eles. Xingu traz a história da fundação do Parque Nacional e, apesar de entrar em detalhes da vida dos Villas Bôas, traz um pouco da trajetória e dos esforços do trio. Ainda assim, Cao Hamburger deixa bem claro que os Villas Bôas são utilizados como uma porta de acesso para a compreensão dos eventos que deseja narrar. O que importa aqui, e isso o diretor deixa bem claro desde o primeiro instante, é resgatar esse lado do Brasil que continua relegado ao acaso e à incompreensão. Hamburger traça uma análise com teor de urgência, ainda que em momentos venhamos sentir que seja uma urgência tardia, sobre a irracionalidade e insensibilidade humana diante do universo e das questões alheias.
O trio central é irretocável. João Miguel, na pele de Cláudio, seja talvez quem tenha a trajetória mais transformadora. No entanto, é louvável que o ator evite atalhos para tornar Cláudio Villas Bôas uma figura heróica, seria um equívoco. Na composição do ator, Cláudio não deixa de ser uma figura admirável por seus feitos, mas é humano e apresenta falhas, falhas que o próprio personagem percebe e que desenrola uma série de conflitos internos nele. Felipe Camargo dá vida a Osvaldo, o responsável pelos acordos políticos com as esferas do governo para a concretização da reserva, e Caio Blat é Leonardo, o irmão mais novo que acabou sendo expulso do projeto por Osvaldo por engravidar uma índia.
Xingu traz características evidentes da narrativa de Cao Hamburger, algo que detectamos no belíssimo O Ano em que meus Pais saíram de Férias. O cineasta é capaz de oferecer um novo olhar para temas mais do que discutidos nas diversas instâncias da sociedade brasileira. O mérito de Hamburger em Xingu está em trazer para o foco questões mal resolvidas e responsáveis por feridas mal cicatrizadas em nosso país. Xingu tem raízes fortes nessa proposta e não abandona a compreensão de que para dialogar e sensibilizar a plateia para o tema é preciso um olhar atento para seus personagens, nesse caso, os povos indígenas e não os Villas Bôas. Cao, Cláudio, Osvaldo e Leonardo são apenas intermediadores deste processo.
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