Jane Eyre

Mia Wasikowska em Jane Eyre: comendo o pão que o diabo amassou.
Não, Jane Eyre não foi escrito por Jane Austen, autora inglesa consagrada por Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade. O clássico foi escrito pela também inglesa Charlotte Brontë e vai completamente na contramão do que se espera de uma heroína romântica do século XVII. Nesse sentido, a escritora rejeita ideias tratadas com particular devoção na literatura de Austen. Com Jane Eyre, Brontë trata da emancipação feminina e norteia a trajetória de Eyre com a noção de que a realização amorosa não está associada necessariamente a projeções femininas, frutos do ideário romântico que insiste em criar na na figura masculina um ser isento de imperfeições. Brontë quebra os signos do romantismo com os próprios signos do romantismo em Jane Eyre. Assim, na medida em que o universo dos sonhos românticos de Eyre vai se esfacelando diante de seus olhos, o mesmo acontece com o espectador. No entanto, a trama deixa uma fresta de esperança ao concluir que o amor deve ser buscado, o que não significa necessariamente que ele virá da forma com que foi idealizado. Assim diz Rochester a Jane: "Isso é um sonho". Ciente de que o relacionamento dos dois não pode ser vivido nessa esfera, Eyre prontamente responde: "Então acorde".

Jane Eyre conta a história da personagem-título. Quando ainda era criança, Jane perde os pais e vai morar na casa de seus tios. Rejeitada pela tia, Jane é levada a um internato para meninas onde vive toda sua infância e adolescência. Lá, a garota passa a conviver com os maus tratos das supervisoras. Quando completa a maioridade, Jane começa a viver sua própria vida e arranja um emprego como empregada doméstica de um homem rico e misterioso que passa a maior parte do tempo ausente em virtude de viagens, o sr. Rochester. Temperamental, o patrão de Jane acaba se afeiçoando à garota e os dois acabam se apaixonando. No entanto, Jane descobre fatos do passado de Rochester que podem comprometer, mais uma vez, a felicidade dela.

Sabiamente, a nova adaptação do clássico é concebida com pouquíssimos rapapés, dando lugar a uma beleza incomparável em figurinos e direção de arte fruto da junção de detalhes discretos, suaves. A atmosfera em Jane Eyre é silenciosa e bucólica, não há espaço para afetações, mesmo nos momentos de maior intensidade dramática. Assim, o tom da obra adota o tom da personagem. O respeito ao espírito e à proposta de Brontë vem ainda mais à tona nos momentos em que, no universo de Jane Austen, naturalmente haveria espaço para o lirismo. O romantismo em Jane Eyre soa deslocado e improvável quando surge e assim é nesta adaptação. Por dialogar intensamente com a autora e com a personagem, sendo um reflexo direto da personalidade e das pretensões de ambas, esta versão cinematográfica de Jane Eyre alcança um inquestionável êxito.

Quando Mia Wasikowska surge em cena como a protagonista, então, já não restam dúvidas que o filme ao menos merece respeito pela sua concepção. Trata-se da melhor interpretação de Wasikowska, que começou capenga nas telonas com a performance apática em Alice no País das Maravilhas. Wasikowska entrega dignidade e uma natural relutância na entrega amorosa a Jane Eyre, uma relutância de quem tem medo de sofrer ainda mais com a vida. Já Michael Fassbender acerta mais uma vez ao retratar o comportamento explosivo, instável, inquieto e misterioso de Rochester, a figura masculina que Brontë utiliza para desmistificar o universo dos sonhos românticos das mulheres. Rochester acaba revelando-se como um rótulo atraente que se visto mais de perto revela suas ranhuras e imperfeições. O elenco ainda conta com interessantes desempenhos de Sally Hawkins, Jamie Bell e Judi Dench.



Jane Eyre, 2011. Dir.: Cary Fukunaga. Roteiro: Moira Buffini. Elenco: Mia Wasikowska, Michael Fassbender, Judi Dench, Jamie Bell, Sally Hawkins, Amelia Clarkson, Su Elliot, Holliday Grainger, Tamzin Merchant, Craig Roberts, Lizzie Hopley, Jayne Wisener. 120 min. Universal.

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Chovendo Sapos: Jane Eyre
Jane Eyre
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