Rodrigo Santoro vive protagonista de Heleno: biografia do primeiro astro-problema do futebol. |
Antes de Adriano e Edmundo, a trajetória de Heleno de Freitas, principal atração do Botafogo na década de 1940, deu o que falar na imprensa brasileira. Heleno era um verdadeiro trator, passava por cima de qualquer um com sua arrogância, temperamento explosivo e muito, mas muito domínio no campo. Usuário de éter e lança-perfume, substâncias que corroeram o organismo do atleta e o transformaram em apenas um rascunho do que foi em seus tempor áureos, Heleno também era mulherengo e não conseguiu manter seu casamento com Sílvia, com quem teve seu único filho. Saiu do Botafogo brigando com jogadores e com parte da dirigência do time, arranjou problemas na Argentina, onde jogou por alguns anos, e não conseguiu entrar no eixo durante suas temporadas no Vasco e no América. Freitas terminou seus dias demente, internado em uma clínica e completamente inconsciente. Um triste desfecho para aquele que foi considerado como uma das primeiras grandes promessas do futebol brasileiro.
Escancaradamente inspirado em Touro Indomável, filme de 1980 do cineasta norte-americano Martin Scorsese, José Henrique Fonseca, que já havia dirigido o ótimo O Homem do Ano, protagonizado por Murilo Benício e Cláudia Abreu, retorna às telonas para contar a riquíssima trajetória de Heleno de Freitas, um homem cujo talento era tão grande quanto sua capacidade de auto-destruição. Com uma fotografia em preto e branco - e as semelhanças com o filme de Scorsese não é só nesse aspecto -, Fonseca leva seu protagonista ao extremo, navegando pelos caminhos mais obscuros de sua personalidade. Acompanhando Fonseca nesse processo, o ator Rodrigo Santoro entrega-se a um dos desempenhos mais complicados de sua carreira, dedicando-se por inteiro a um personagem dilacerante que desperta no espectador reações ambíguas como admiração, incompreensão, paixão e ódio.
O mais admirável nessa cinebiografia de José Henrique Fonseca é que o diretor não é guiado por uma irracional e cega paixão pelo seu biografado. Fonseca não omite o mais sórdido e excessivo episódio da vida de Heleno de Freitas e por esse mesmo motivo acaba conseguindo o retrato mais intenso e apaixonante possível do jogador. Heleno é um reflexo de seu próprio protagonista, resgatando a natureza transgressora e conturbada do personagem. Não há dúvidas de que nesse processo Rodrigo Santoro foi peça fundamental. Envolvido no projeto desde a sua concepção, Santoro mergulha de cabeça e sem equipamentos de segurança nos demônios internos de Heleno de Freitas. O ator se submete a mudanças físicas ao longo do filme e compõe com muito afinco as motivações e a personalidade do protagonista. Mais uma vez recorrendo às comparações, Fonseca como nosso Scorsese encontra seu Robert DeNiro em Rodrigo Santoro. Heleno de Freitas é o nosso Jake LaMotta, um homem em eterno ponto de ebulição, consumido pelas cobranças pessoais e por um amor incondicional pela vida e pela liberdade, um amor tão grande que lhe escapou pelas mãos e assumiu seu lado mais obscuro.
Encerrando a trágica estória de nosso Príncipe Maldito, como assim era chamado, Fonseca, na voz de Santoro como Freitas, sintetiza o biografado dando a entender que qualquer tentativa de definí-lo seria em vão. Heleno simplesmente era Heleno. Uma pena que sua vida tenha terminado de forma tão melancólica e que seu nome, até então, tenha sido pouco lembrado na história do futebol nacional. Heleno foi consumido por sua própria gana de viver e de abraçar o mundo, uma pena. Heleno, de José Henrique Fonseca, faz jus ao hiperbólico personagem e abraça os excessos e a poesia de Freitas em campo com a mesma intensidade. Registro mais do que merecido.
Heleno, 2012. Dir.: José Henrique Fonseca. Roteiro: José Henrique Fonseca, Felipe Bragança e Fernando Castets. Elenco: Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, Angie Cepeda, Erom Cordeiro, Othon Bastos, Orã Figueiredo, Herson Capri, Gregório Duvivier. 106 min. Downtown Filmes.
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