Jennifer Lawrence e Josh Hutcherson em Jogos Vorazes. |
Jogos Vorazes é tudo aquilo que meia dúzia de pretensas franquias cinematográficas querem ser e não conseguem. O mais evidente paralelo que podemos traçar é com a famigerada "saga" Crepúsculo. O longa vibra em metáforas sociais, urgência no tratamento de sua trama e de seus desdobamentos e conta com um elenco afiadíssimo para encabeçar personagens que transbordam empatia. Simplificando, tudo o que o a franquia de Edward e Bella poderia ter, mas passa longe pela ineficiência coletiva, incluindo no balaio diretores, roteirista e atores. Jogos Vorazes, se continuar com a carreira bem sucedida que anda tendo em sua estreia, pode ser considerada como a potencial "substituta" de Harry Potter nos corações e mentes das plateias mais jovens. Sem feitiços, criaturas mitológicas e outros elementos da narrativa fantástica, Jogos Vorazes imagina os EUA em um futuro marcado por um governo autoritário que subjuga seu povo através de uma violenta disputa entre jovens de diferentes distritos. Os jogadores são oferecidos ao governo, representado pelo que eles chamam de "Capital", como uma espécie de tributo simbólico para a manutenção de uma paz que foi ameaçada com sucessivas guerras no passado.
Os eventos de Jogos Vorazes têm início definitivo quando Katniss Everdeen se oferece para a disputa no lugar de sua irmã mais nova. O eixo central do filme é Katniss, interpretada lindamente por Jennifer Lawrence. É bem verdade que a personagem é uma espécie de extensão da personagem da atriz em Inverno da Alma, mas Lawrence tem tanta segurança em cena que o público compra sua heroína desde o primeiro momento, vibrando com sua jornada e temendo pelo seu destino. O mesmo pode ser dito de Josh Hutcherson, outro grande talento dessa nova geração, que já despertou curiosidade desde criança quando protagonizou o delicioso ABC do Amor e mais recentemente viveu o filho de Annette Bening e Julianne Moore em Minhas Mães e Meu Pai. Hutcherson vive Peeta Mellark, representante masculino do distrito de Katniss na disputa. Enquanto, as habilidades de Katniss são mais físicas, Peeta se destaca pelo seu carisma e inteligência. Com todas as ações dos jogos televisionadas, os jogadores ainda têm que lidar com outra variante na disputa. A empatia com o espectador, o que pode lhes garantir uma ajuda em momentos críticos de vida ou morte. Assim, enquanto Katniss consegue se desvencilhar dos obstáculos físicos, Peeta é seu sustentáculo no jogo de cena que todos os jogadores devem fazer - no Brasil, certamente o público fará um paralelo imediato com reality shows.
Jogos Vorazes também impressiona por sua violência e por não tratar seus personagens com maniqueísmo. O longa não poupa seus protagonistas e está sempre testando-os em momentos cruciais, evidenciando o caráter polivalente de cada um deles. Claro que o êxito nesses aspectos estão ligados a Gary Ross, um excelente diretor que não comandava um estúdio desde Seabiscuit, de 2003. Ross não brinca em serviço e consegue amarrar muito bem todos os pontos de tensão de seu filme, transformando sabiamente Jogos Vorazes em um excelente entretenimento ambientado em um futuro hipotético com pinceladas metafóricas sobre a estrutura de poderes de um Estado, uma máquina que se administrada por péssimas mãos traz desigualdade e opressão. Por não deixar o escopo social engolir sua própria trama, transformando o projeto em um filme pretensioso e oco - um equívoco já assumido por outras franquias -, Gary Ross acerta em cada detalhe de Jogos Vorazes.
O longa é um alento e uma lição para alguns executivos de Hollywood que aceitam produzir uma adaptação cinematográfica de qualquer sucesso editorial recente: por mais efêmero que seja e por mais jovem que seja seu público alvo, não subestime o espectador. Ainda que a gente ouça aqui e ali que o filme de Gary Ross não é tão fiel ao livro - uma discussão que chega a dar sono quando levantada, afinal, parece que as pessoas ainda não aprenderam que são duas plataformas distintas e que certas modificações podem ser feitas -, o que é visto em cena é um trabalho bem resolvido, um conjunto de elementos artíticos e técnicos que garantem um resultado satisfatório.
The Hunger Games, 2012. Dir.: Gary Ross. Roteiro: Gary Ross, Suzanne Collins e Billy Ray. Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Elizabeth Banks, Stanley Tucci, Woody Harelson, Wes Bentley, Donald Sutherland, Toby Jones, Willow Shields, Paula Malcolmson. 142 min. Paris Filmes.
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