Viola Davis segura as pontas de Histórias Cruzadas, filme que pode lhe render um Oscar. |
Difícil dizer ao certo o que achei de Histórias Cruzadas. Mixed feelings. O segundo longa metragem da carreira de Tate Taylor foi um inesperado sucesso nas bilheterias de agosto do ano passado. Aparentemente, não é o tipo de material que arrecada sifras: não tem nenhum nome estelar encabeçando seu elenco, essencialmente é um drama e competia com filmes bem mais comerciais, Planeta dos Macacos - A Origem e Não Tenha Medo do Escuro. No entanto, a bandeira racial que o filme levanta levou as plateias ao cinema e, até o momento, o filme detém o pódium em rentabilidade entre os indicados ao Oscar, o que, muitas vezes, conta e muito na decisão da Academia. O filme, contudo, apresenta algumas ranhuras narrativas que incomodam bastante (construções maniqueístas e excesso de subtramas). É bem verdade que todos estes tropeços conseguem ser "maquiados" lindamente pela composição comovente de Viola Davis para uma das personagens cruciais para o filme, a empregada Aibeleen. Mas elas estão ali e o tornam um material óbvio e que oscila entre momentos fantásticos e outros tantos inapropriadamente fora do tom.
Histórias Cruzadas conta a história de uma aspirante a escritora que durante a década de 1960 nos EUA, auge do movimento pelos direitos civis no país, decide escrever um livro sobre a vida doméstica da classe média alta do Mississipi pela perspectiva de suas empregadas domésticas, mulheres negras que dedicam todas suas vidas para criar os filhos de suas patroas. O longa propõe contar a trajetória dessas mulheres através de duas delas, as primeiras a darem o depoimento para a protagonista, Skeeter Phela, personagem de Emma Stone, Aibileen Clark e Minny Jackson. Antes que muitos comecem a alegar uma pretensa incoerência do filme ao discursar contra o preconceito racial através de uma história na qual uma branca resgata duas negras de suas péssimas condições de vida, a personagem de Stone é apenas uma ponte que Aibileen e Minny encontram para que as pessoas, sobretudo suas patroas, ouçam o que elas tem a dizer. Apontar este aspecto como uma falha narrativa do filme é "procurar pêlo em ovo".
O grande problema narrativo de Histórias Cruzadas é a estratégia que o filme utiliza para persuadir o público. O filme constrói personagens unidimensionais, simplificando o confronto racial em uma batalha do "bem" contra o "mal". Me refiro especialmente à Hilly Holbrook, que interpreta uma espécie de vilã para o longa - o filme merece um "puxão de orelha" só pela evidente categorização da personagem como tal, uma construção absurdamente simplista. O caso torna-se ainda mais grave ao notarmos que nem uma atriz competente como Bryce Dallas Howard consegue dar corpo e motivações interessantes a esta personagem, motivações que não seja a óbvia perversidade e inveja desta criatura. Além de Howard, o que me assusta mais ainda, a veterana Sissy Spaceck parece ainda mais perdida como a mãe enferma de Hilly. Para completar, Octavia Spencer, intérprete de Minny e franca favorita ao Oscar de coadjuvante, protagoniza ótimos momentos. No entanto, em tantos outros a atriz surge como uma espécie de alívio cômico, o que é muito estranho e bem preocupante em termos de merecimento do prêmio. Este tipo de abordagem não seria um problema para Histórias Cruzadas não fosse a seriedade do filme.
No extremo oposto, vemos um trabalho excepcional de Viola Davis, no auge de sua maturidade como atriz. Aibileen Clark transborda generosidade através de Viola, que ressalta no olhar e na postura da personagem o cansaço de uma mulher que trabalha há anos em casas de família sem nunca ser notada e reconhecida como parte essencial na criação dos filhos de suas patroas. A maneira com que Viola assume as rédeas do longa é admirável e redime o filme de qualquer falha anterior. Igualmente admirável é o desempenho de Jessica Chastain, impecável como a esposa rejeitada daquela comunidade que acaba criando um laço de amizade com Minny. A personagem da atriz, Celia Foote, é retratada como uma mulher solitária que almeja a atenção e a aprovação da sociedade, sem notar quão perversa são aquelas pessoas que deseja tanto agradar. O filme ainda conta com o desempenho correto de Allison Janney, que interpreta a mãe de Skeeter.
Ah, esqueci de falar da Emma Stone...Bom, nesse caso não tem muito o que falar mesmo.
Histórias Cruzadas fala mais ao coração que à razão. Portanto, o que fica, apesar dos grandes equívocos de seu roteiro, direção e de alguns integrantes do elenco, é a importância e pertinência que Viola Davis entrega ao projeto na pele de Aibileen Clark. O longa toca na ferida racial que todos conhecemos, não há como negar que em algum momento do filme não reconhecemos determinados episódios em vivências pessoais. A urgência de Histórias Cruzadas é inegável. É uma pena que o filme invariavelmente se utilize de construções tão rasas. Talvez o grande problema do filme tenha sido cair nas mãos de Tate Taylor, afinal todos os seus problemas estão vinculados à construção de tramas e personagens e à composição de alguns atores, ou seja, roteiro e direção, o que é crucial para uma produção deste porte e que chega com tanto hype no Oscar.
The Help, 2011. Dir.: Tate Taylor. Roteiro: Tate Taylor. Elenco: Viola Davis, Emma Stone, Octavia Spencer, Bryce Dallas Howard, Jessica Chastain, Sissy Spaceck, Allison Janney, Mike Vogel, Ahna O'Reilly, Anna Camp, Chris Lowell, Cicely Tyson. 146 min. Buena Vista.
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