![]() |
George Clooney entre os adolescentes de Os Descendentes, aguardado retorno de Alexander Payne. |
Quando Alexander Payne surgiu com Eleição vislumbrou-se um novo talento no cinema autoral norte-americano. As ConfissƵes de Schimidt e Sideways - Entre umas e outras confirmaram isso e definiram o estilo do diretor e roteirista. Payne estava mais interessado na dor humana e em tramas familiares, filmes cheios de sentimento que flertavam com a comĆ©dia e com o drama sem necessariamente ir para o extremo dos dois gĆŖneros. Os Descendentes Ć© mais um exemplar do cineasta a seguir esta cartilha. Desta vez ele traz uma história sobre um viĆŗvo e sua tentativa de lidar com seu próprio luto e com o luto de suas filhas. NĆ£o Ć© um tema fĆ”cil e, por descuido de muitos diretores, rotineiramente cai no melodrama, na manipulação das plateias. Payne abre mĆ£o de tudo isso e confere naturalidade e humanidade Ć quela situação. O diretor parte do princĆpio de que nos momentos mais difĆceis de nossa vida, nĆ£o hĆ” porque fazer um espetĆ”culo da própria dor.
Filmado no HavaĆ, Os Descendentes Ć© uma jornada comovente da famĆlia King. Payne oferece a tragĆ©dia, mas nĆ£o deixa de adoƧar o olhar da plateia com momentos genuinamente cĆ“micos. Rodado como uma espĆ©cie de road movie, O Descendentes sofre com alguns maneirismos do cineasta, resquĆcios de uma escola do cinema independente norte-americano do qual fez parte em um de seus picos, no inĆcio dos anos 2000, mas que hoje jĆ” foi superado. No entanto, o olhar de Payne para o luto daquela famĆlia Ć© tĆ£o sincero e singular que qualquer repetição narrativa pode ser perdoada atĆ© mesmo pelo mais implacĆ”vel e experiente espectador.
Contando com um dos desempenhos mais entregues da carreira de George Clooney, Payne garante as lÔgrimas e o sorriso da plateia sem "forçação de barra". Esforçado na figura de um homem cheio de virtudes, uma delas é assumir suas próprias falhas como marido e pai, Clooney estabelece uma dinâmica singular com os jovens Shailene Woodley, Amara Miller e Nick Krause. As meninas, em especial, são os dois grandes achados do filme. Amara Miller é uma preciosidade em cena e consegue lidar de maneira muito espontânea com os diÔlogos rÔpidos e sutilmente cÓmicos do roteirista. JÔ Shailene Woodley estÔ formidÔvel como a adolescente rebelde que no fundo esconde uma grande admiração e amor por seu pai. Woodley foi fundamental para Clooney conseguir o desempenho que conseguiu, a garota provoca e testa a todo momento as reações do ator, o que é ótimo para um intérprete que aparentemente não gosta de sair da zona de conforto como o astro de Os Descendentes.
Somente Alexander Payne seria capaz de transformar uma trama sobre perdas em um filme leve e espontĆ¢neo. Pode nĆ£o ser um favorito pessoal de muitos na temporada, mas nĆ£o tem como torcer o nariz para as emoƧƵes sinceras que o longa evoca. Descobrir que no fim de nossa existĆŖncia o Ćŗnico legado que deixaremos para nossos entes e amigos queridos Ć© o amor, ainda que este venha repleto de rancor e mĆ”goa, revela-se como uma verdade incontestĆ”vel diante da morte. Afinal, tudo torna-se menor diante do surpreendente e poderoso legado que Ć© a famĆlia.
COMENTĆRIOS